Esther Vargas
Talvez você também se interesse por uma vida menos excessivamente “online”
Meus queridos amigos,
A maioria de vocês bem sabe que eu não uso telefone celular. Ocelular da minha esposa, que eu uso de vez em quando, não tem acesso à internet. Nós não temos perfil no Facebook. Nem no Twitter. Mas usamos e-mail e acessamos a internet todos os dias.
Quase todo dia eu pedalo, corro ou vou de ônibus para o trabalho, já que nós temos apenas um carro. Não temos TV paga. Ainda temos uma secretária eletrônica, fato que levou um dos meus amigos a deixar a seguinte mensagem: "Alô, aqui é a década de 80 chamando! Queremos a sua secretária eletrônica de volta!". Muitos de vocês acham que eu (ou nós, por associação) estamos presos ao passado ou perdemos muita coisa do presente. É um ponto de vista válido.
Mas eu gostaria de oferecer a vocês algumas razões pelas quais nós optamos por permanecer na “idade das trevas” da comunicação e da tecnologia.
As pessoas que me conhecem bem vão citar a minha frugalidade, a minha dificuldade em aceitar as mudanças e a minha apatia em aprender novas tecnologias como sendo as principais razões para eu não acompanhar os ditos avanços do resto do mundo. Vocês estão parcialmente certos. Mas há algumas outras razões também. E são elas o que eu quero compartilhar aqui.
Segue-se, então, a minha “lista de justificativas” para conservar, entre outras coisas, o meu bom e velho telefone fixo.
Para começar, eu preciso desesperadamente de clareza de mente, da capacidade de controlar as emergências e de manter a minha atenção acesa. Como pai de seis filhos jovens, marido de uma mulher extraordinária e psicólogo infantil, não há nada mais importante para a minha vida e para a vida da minha família do que a minha capacidade de pensar o mais claramente possível e manter um alto nível de atenção.
Não é questão de atingir 100% da minha capacidade mental, mas de tentar usar o máximo possível dos meus “cilindros cerebrais”.
Com todas as distrações de hoje em dia, esses zunzuns, dindons e plimplins que avisam da chegada de mensagens e ligações seriam uma coisa excessiva. Eles dispersariam a minha concentração e, mesmo que eu parecesse focado na tarefa que estou realizando, tenho sérias dúvidas de que de fato eu ficasse focado. Há pesquisas que sugerem que os seres humanos “multi-tarefas”, especialmente quando se acham muito bons em fazer muita coisa ao mesmo tempo, na verdade atingem resultados apenas medianos. Em jornadas que já nos reservam pilhas de tarefas, eu me pergunto se a minha eficiência e a minha capacidade de cumprir os compromissos mais importantes de cada dia atingiriam mesmo o seu melhor nível caso eu ficasse dando atenção a dispositivos eletrônicos que comunicam o tempo todo a chegada de alguma nova informação.
O silêncio é um valor que eu considero de uma preciosidade incalculável. Uma das melhores coisas de ir e voltar de bicicleta ao trabalho é o silêncio. As ruas podem ser agitadas, mas a única voz que eu ouço vem de dentro da minha própria cabeça. O trajeto silencioso até o trabalho é para mim uma ótima forma de organizar os pensamentos para começar o dia; e o passeio de volta para casa é uma ótima forma de aliviar o estresse do dia que termina, ao mesmo tempo em que me preparo para o momento mais barulhento de todos: aquele em que eu abro a porta de casa!
Um ano atrás, fiz uma apresentação para um grupo local de ministros da juventude. O diretor do grupo recordou o dia em que recebeu um telefone celular e um pager no trabalho pela primeira vez na vida e lamentou logo em seguida o fato de as pessoas agoram poderem contatá-lo em seu trajeto do trabalho para casa, que era quando ele costumava repassar com calma o dia que estava terminando. Bastante gente usa esses tempos de trânsito (muitas vezes imprudentemente, diga-se de passagem) para recuperar ligações perdidas. Eu preciso desses tempos para recuperar a minha própria vida, que parece estar sempre correndo à minha frente.
Os dispositivos móveis e o Facebook me tornariam umcomunicador pior e um amigo pior. Deixem-me esclarecer. Sim, vocês teriam mais maneiras de se comunicar comigo. Mas eu estou convencido (e acredito que não sou o único) de que a minha capacidade de responder com conteúdos significativos sofreria muito. Eu sei que às vezes não respondo de modo adequado a alguma mensagem de telefone ou de e-mail, ou simplesmente nem sequer respondo. Mas, se tivesse ainda mais canais de contato para controlar, a minha taxa de resposta e, principalmente, a qualidade das minhas respostas, cairia mais ainda. Uma parte de mim concorda que eu iria gostar de ficar mais por dentro do que está acontecendo, mas simplesmente não tenho tempo nem neurônios para gerenciar tudo isso. E quando eu falo com vocês, eu realmente quero me dedicar à nossa conversa e não ficar me distraindo com outras coisas (a menos que um dos meus filhos caia da cadeira, é claro).
Não duvido que seria divertido receber um texto aleatório de vez em quando sobre questões da bolsa de valores. Mas quando um texto aleatório me leva a mais vinte textos paralelos, e os e-mails no meu dispositivo móvel são tantos que acabam ficando lá esquecidos, eu acho que a minha taxa de respostas despencaria.
Tenho dúvidas também quanto à relação "distanciamento psicológico X quantidade de informações recebidas". E tenho certeza, por outro lado, de que muita gente notou que a tecnologia deixou a comunicação mais distante do quando ela era feita no velho modelo face-a-face. As pessoas, hoje, raramente aparecem na nossa porta, a menos que sejam convidados ou algum vendedor casual. Recebemos alguns telefonemas e uma quantidade razoável de e-mails por semana. Já as adolescentes, em média, recebem e enviam 4.000 textos por mês. Eu acho que alguns adultos não ficam muito atrás disso. Os feeds das redes sociais estão sempre saturados com dezenas de milhares de novas informações. Dito de outra forma: quanto menos diretamente as pessoas se comunicam, mais provavelmente elas vão enviar e receber milhares de informações. Eu me pergunto se todas essas informações são proveitosas.
Alguns meses atrás, estive conversando com um primo que é consultor de planejamento pessoal. Ele comentou sobre uma conversa que tinha tido com um orientador, tempos atrás, sobre como lidar com pais irritados. O conselho do orientador foi simples: “Se você receber um e-mail de um pai irritado, responda sempre reconhecendo com clareza que as preocupações dele são válidas. Em seguida, pergunte se ele gostaria de agendar uma conversa face-a-face para discutir o assunto. A maioria vai optar por não fazê-lo, a menos que a preocupação seja realmente séria”. Uma ideia semelhante parece aplicar-se a todos nós: se algo é realmente importante, crítico ou interessante, costumamos seguir caminhos mais diretos para comunicar esse algo aos nossos amigos e familiares.
O papel insidioso das distrações me preocupa. De certa forma, eu gosto das distrações, especialmente quando estou muito ocupado. Eu sei que há no mínimo um evento esportivo diário capaz de atrair a minha atenção. Mas, se eu me sinto atraído por muitas demandas e curiosidades mundanas, algo ainda mais forte continuará me “corroendo” e alertando contra essas distrações todas.
Recentemente, encontrei uma citação de C.S. Lewis que descreve eloquentemente o que eu venho sentindo. Diz assim (a propósito, para quem não conhece “As Cartas do Coisa-Ruim”, o "Inimigo", aqui citado, é Deus):
"Os cristãos descrevem o Inimigo como ‘aquele sem o qual Nada é forte’. E o ‘Nada’ é muito forte: forte o suficiente para roubar os melhores anos de um homem, e não com pecados doces, mas com aquele cintilar sombrio da mente em meio a não se sabe o quê nem se sabe por quê, na satisfação de curiosidades tão fúteis que o homem só parcialmente se dá conta delas".
Se eu não tomar cuidado, "a satisfação de curiosidades fúteis" vai me afastar de um chamado maior, de uma busca de sentido maior.
Eu realmente quero preservar a minha vida “off-line”, porque é nela que eu encontro a minha maior alegria. Quase todas as semanas, ou até mais frequentemente, parece que alguma coisa que acontecia por meio de interação humana direta se torna agora “online”. Os cuidados com a saúde estão se transformando em processos digitais. As escolas estão fazendo cada vez mais coisas através da internet. A automação está tomando conta de bancos, mercados e até dos namoros. Isso traz benefícios potenciais, mas a realidade é que, a cada dia, estamos investindo um pouco mais de tempo e energia mental em aprender tecnologias e menos tempo em interagir com gente! Eu tenho a impressão de que as pessoas estão sendo levadas a se conformar com a tecnologia, e não a tecnologia a entrar em conformidade com o humano, ou pelo menos com o tipo de vida humana que nós dizemos que gostaríamos de ter.
Veio um técnico aqui em casa, recentemente, me ensinar a usar um programa de computador que transforma voz em texto. Ou seja, eu vou falando e o programa vai transformando as minhas palavras orais em palavras escritas no computador. Conheço algumas pessoas que usam o sistema e gostam muito dele. Mas o técnico enfatizou que eu precisaria dedicar um tempo razoável a “ensinar” o programa a entender a minha maneira de falar, além de corrigi-lo cada vez que ele me entendesse mal. Se eu não o corrigisse, ele poderia ficar cada vez mais “bobo” ao longo do tempo, tornando-se assim uma ferramenta de pouca utilidade.
Enquanto ele me dizia isso, eu me distraía com uma pergunta interior ameaçadora: "Do que é que eu vou ter que desistir para arranjar mais esse tempo?". Como eu sei que o mundo tecnológico nos reserva a próxima necessidade de aprender mais alguma ferramenta já ali na dobra da esquina, eu sei que teria que tirar tempo da minha família ou dos outros (de vocês, meus queridos amigos), ou tempo pessoal de contemplação silenciosa, de leitura, de escrita ou de descanso.
Não acho que eu vá preferir dar aulas a um programa de computador para que ele aprenda a digitar as palavras do jeito que eu as pronuncio. Prefiro reservar esse tempo para receber ou sair com vocês, meus amigos. Enquanto isso, fiquem à vontade para me ligar aqui no telefone fixo. Se quiserem, aliás, vocês podem até deixar alguma mensagem na nossa velha secretária eletrônica.
Um abraço e espero vê-los em breve!
Eu realmente quero preservar a minha vida “off-line”, porque é nela que eu encontro a minha maior alegria. Quase todas as semanas, ou até mais frequentemente, parece que alguma coisa que acontecia por meio de interação humana direta se torna agora “online”. Os cuidados com a saúde estão se transformando em processos digitais. As escolas estão fazendo cada vez mais coisas através da internet. A automação está tomando conta de bancos, mercados e até dos namoros. Isso traz benefícios potenciais, mas a realidade é que, a cada dia, estamos investindo um pouco mais de tempo e energia mental em aprender tecnologias e menos tempo em interagir com gente! Eu tenho a impressão de que as pessoas estão sendo levadas a se conformar com a tecnologia, e não a tecnologia a entrar em conformidade com o humano, ou pelo menos com o tipo de vida humana que nós dizemos que gostaríamos de ter.
Veio um técnico aqui em casa, recentemente, me ensinar a usar um programa de computador que transforma voz em texto. Ou seja, eu vou falando e o programa vai transformando as minhas palavras orais em palavras escritas no computador. Conheço algumas pessoas que usam o sistema e gostam muito dele. Mas o técnico enfatizou que eu precisaria dedicar um tempo razoável a “ensinar” o programa a entender a minha maneira de falar, além de corrigi-lo cada vez que ele me entendesse mal. Se eu não o corrigisse, ele poderia ficar cada vez mais “bobo” ao longo do tempo, tornando-se assim uma ferramenta de pouca utilidade.
Enquanto ele me dizia isso, eu me distraía com uma pergunta interior ameaçadora: "Do que é que eu vou ter que desistir para arranjar mais esse tempo?". Como eu sei que o mundo tecnológico nos reserva a próxima necessidade de aprender mais alguma ferramenta já ali na dobra da esquina, eu sei que teria que tirar tempo da minha família ou dos outros (de vocês, meus queridos amigos), ou tempo pessoal de contemplação silenciosa, de leitura, de escrita ou de descanso.
Não acho que eu vá preferir dar aulas a um programa de computador para que ele aprenda a digitar as palavras do jeito que eu as pronuncio. Prefiro reservar esse tempo para receber ou sair com vocês, meus amigos. Enquanto isso, fiquem à vontade para me ligar aqui no telefone fixo. Se quiserem, aliás, vocês podem até deixar alguma mensagem na nossa velha secretária eletrônica.
Um abraço e espero vê-los em breve!
Fonte: Aleteia